A condução do processo judicial é
guiada por normas específicas e vinculativas, especialmente relevantes no
âmbito recursal, onde prevalecem os princípios da taxatividade e singularidade.
Estes princípios estabelecem de maneira precisa os únicos meios adequados para
submeter decisões à revisão do Poder Judiciário. Contudo, em circunstâncias
excepcionais, é possível aplicar o conceito de fungibilidade recursal, que
permite a interposição de um recurso inadequado como se fosse o correto para
impugnar uma decisão judicial específica.
O Superior Tribunal de
Justiça (STJ), ao analisar diversas situações dessa natureza, consolidou
jurisprudência condicionando a aplicação da fungibilidade a três requisitos: a)
existência de dúvida objetiva sobre o recurso a ser interposto; b) ausência de
erro flagrante na escolha do recurso; e c) observância do prazo do recurso
cabível. Um cenário similar, mas distinto, surge quando o recorrente utiliza o
recurso adequado, seguindo todas as formalidades, mas equivoca-se ao indicar
seu nome – uma situação classificada como mero erro material.
A Ministra do STJ,
Nancy Andrighi, enfatiza que, nestes casos, a regra a ser seguida é que, se
todos os requisitos de admissibilidade do recurso cabível forem atendidos, o
nome atribuído ao recurso é irrelevante para seu conhecimento. Recusar um recurso
com base nesse critério representaria um excesso de formalismo, desrespeitando
o princípio da instrumentalidade das formas.
No contexto do
julgamento do REsp 1.947.309, a Segunda Turma do STJ reafirmou que, sob o
Código de Processo Civil (CPC) de 2015, a apelação é o recurso apropriado
contra a decisão que acolhe a impugnação do cumprimento de sentença e encerra a
execução. Por outro lado, o agravo de instrumento é indicado para decisões que
acolhem parcialmente a impugnação ou a rejeitam, pois tais decisões, ao não
extinguirem a fase executiva, possuem natureza interlocutória.
Em um caso específico,
a União apresentou impugnação a um cumprimento de sentença, sendo parcialmente
acolhida, sem extinguir a execução. No entanto, a parte contrária recorreu por
meio de apelação, em vez de agravo de instrumento, impedindo assim a aplicação
do princípio da fungibilidade.
No julgamento do REsp
1.812.987, a Quarta Turma debateu a possibilidade de aceitar, com base no
princípio da fungibilidade, o uso de uma ação de reintegração de posse em lugar
da ação de despejo para retomar a posse de um imóvel alugado. O colegiado
concluiu que as ações de reintegração de posse e despejo têm fundamentos
jurídicos distintos, não permitindo sua fungibilidade, e que permitir tal
substituição negaria a vigência das regras especiais da Lei de Locação.
Analisando o REsp
1.828.657, a Quarta Turma avaliou a aplicação da fungibilidade quando há
recurso contra decisão que acolheu embargos a uma ação monitória de alguns
litisconsortes passivos, excluindo-os do processo, mas mantendo a ação em
relação a um réu. O tribunal entendeu que, quando não encerrada a fase de
conhecimento da ação monitória, o recurso apropriado é o agravo de instrumento,
não a apelação, como erroneamente interposto no caso.
No julgamento do REsp
1.954.643, a Terceira Turma definiu que o ato judicial que decreta o fim do
vínculo societário com um sócio tem natureza de sentença, tornando a apelação o
recurso adequado. A ex-sócia, ao interpor agravo de instrumento contra a
homologação de um acordo para formalizar sua retirada, teve sua ação
indeferida, com base na conclusão de que o agravo de instrumento era
inadequado, configurando erro grosseiro, e que a fungibilidade não se aplicava.
O STJ também aplicou o
princípio da fungibilidade em casos de embargos de declaração opostos contra
decisão monocrática com o intuito claro de modificar seu conteúdo, recebendo-os
como agravo regimental. O mesmo princípio foi reconhecido no recebimento de
pedido de reconsideração apresentado contra decisão monocrática, sendo este
tratado como agravo regimental, conforme destacado no julgamento do AgRg no HC
801.806.
Contudo, em casos nos
quais não há previsão legal ou regimental para o pedido de reconsideração
contra decisão colegiada do STJ, a Quinta Turma, no julgamento do AgRg no HC
711.776, considerou impossível aplicar a fungibilidade, pois seria considerado
um erro grosseiro o uso de qualquer uma dessas vias de impugnação contra
acórdãos.
Estes casos específicos
foram julgados nos processos REsp 1822640, REsp 1947309, REsp 1812987, REsp
1828657, REsp 1954643, HC 856553, HC 801806 e HC 711776.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça (STJ).